{ATENÇÃO: ESTE TEXTO PODE CONTER RELATOS E IMAGENS CONSIDERADOS PERTURBADORES}
Este texto é especial em homenagem aos 75 anos da libertação dos prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, completados hoje.
Era um desejo antigo meu conhecer o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Já havíamos visitado dois outros campos de concentração anteriormente: o de Dachau, que fica no sul da Alemanha, próximo a Munique (texto sobre Dachau aqui) e o de Sachsenhausen, que fica próximo a Berlim. Ambos os campos oferecem a oportunidade de ver de perto o que aconteceu nesse massacre promovido pelo nazismo, mas, ainda assim, faltava para nós vermos de perto o maior dos campos de concentração de todos, o de Auschwitz, na Polônia.
- Dados
Foi em Auschwitz que houve o maior número de mortes, durante o holocausto, de homens, mulheres e até de crianças. Os prisioneiros pertenciam a diferentes categorias, como judeus, poloneses, ciganos, soviéticos prisioneiros de guerra, testemunhas de Jeová, homossexuais e outras categorias de outras etnias. Todos eram enviados para lá e muitos morriam logo na chegada, quando uma triagem era feita separando os que eram aptos para o trabalho dos que estavam fracos, doentes ou incapacitados pela idade. Estes já iam direto para as câmaras de gás ou eram fuzilados. Famílias foram separadas, dizimadas. Histórias foram interrompidas e um sofrimento sem precedentes começava para os milhares de prisioneiros que por ali passariam.
Auschwitz foi fundado em 1940 na cidade de Oświęcim, no sul da Polônia. O nome alemão Auschwitz foi dado pelos nazistas, pelo qual hoje é mundialmente conhecido. A partir de 1942, houve um transporte em massa de judeus de toda a Europa para lá, incluindo cerca de 300 mil judeus poloneses. No fim das contas, Auschwitz ficou marcado como o lugar de maior execução humana na história. Até ser libertado pelos aliados, no fim da guerra, mais de 1,1 milhões de pessoas perderam suas vidas em Auschwitz.
As formas de execução eram variadas, sendo os motivos os mais banais. Como já mencionado, muitos morriam na triagem que acontecia já na chegada ao campo. Os incapacitados para o trabalho, seja pela sua condição física ou pela saúde já debilitada, muitas vezes até pelas condições desumanas no transporte até Auschwitz, eram fuzilados ou mortos nas macabras câmaras de gás. Os que eram considerados aptos ao trabalho passariam a enfrentar um dia-a-dia de muito sofrimento, sendo seus limites testados ao extremo. O trabalho forçado era desgastante, chegando, em alguns dias, a ser exercido durante 11 horas seguidas. Os presos exerciam esses trabalhos geralmente famintos, pois a chamada ração (alimentação fornecida pelos soldados da SS – os agressivos soldados nazistas) era mínima, contendo uma quantidade de calorias diárias muito aquém do necessário. Isso quando a falta de alimentos era o castigo para prisioneiros que planejavam fuga, ajudavam outros companheiros ou não exerciam o trabalho solicitado. A desnutrição e a fome extrema era, portanto, mais um motivo de muitas mortes em Auschwitz.
Foi no holocausto, também, que a medicina deu um salto a um preço muito alto, uma consequência dos inúmeros experimentos que médicos nazistas, como Josef Mengele, faziam nos prisioneiros. Aconteceu também em Auschwitz, em prédios designados para tal finalidade. Os preferidos dos médicos eram gêmeos e pessoas com alguma anomalia genética. Mulheres também foram submetidas a estudos de fertilidade. Cirurgias não necessárias foram realizadas apenas para que os mistérios acerca do corpo humano fossem desvendados e também para que testes e experiências fossem feitos. Com isso, milhares de pessoas que deram a sorte de sobreviver a esses experimentos ainda assim ficaram marcadas para sempre, com cicatrizes e problemas irreversíveis.
Outra forma cruel de tratamento que resultou na morte de muita gente foram as chamadas contagens realizadas pelos soldados da SS. Ainda de madrugada, os prisioneiros eram acordados de forma rude e obrigados a se posicionarem do lado de fora dos prédios, no tempo, em fileiras para que pudessem ser contados. Não importava a condição climática, todos deviam ficar ali parados, enfileirados, em pé durante horas seguidas. Eram milhares de pessoas para serem contadas, principalmente com o avançar da guerra, quando cada vez mais e mais pessoas de toda a Europa eram enviadas a Auschwitz. Portanto, era difícil fazer uma contagem precisa dos presos. Se os soldados da SS perdiam a conta ou se achavam que alguém havia fugido, a contagem recomeçava do zero, até que eles ficassem satisfeitos. Não dá para imaginar essa situação acontecendo em um dia de inverno extremo, com chuva e até neve, e os prisioneiros com poucas roupas e sem se alimentarem. Assim muitos também perderam a vida: de frio, de exaustão.
Várias foram as outras formas que resultaram na perda da vida de muitos prisioneiros. A disseminação da doença Tifo foi uma delas. Com as péssimas condições sanitárias no campo muitos adoeceram, e era fácil e rápida a contaminação através de pulgas que propagavam a doença. Além disso, havia fuzilamento daqueles que tentavam escapar e eram vistos das torres de controle espalhadas pelo campo. O fuzilamento também era a sentença de morte para prisioneiros que cometiam atos considerados como traição pelos soldados da SS. Esses fuzilamentos como pena de morte aconteciam na chamada “parede da morte”.
Auschwitz foi o único campo de concentração onde os prisioneiros foram tatuados com números, inicialmente devido à alta taxa de mortalidade, para que, assim, os corpos fossem mais facilmente identificados. Porém, a partir de 1943, todos os prisioneiros passaram a ser tatuados também para identificação e, ainda, para facilitar as contagens. Para alguns sobreviventes essa tatuagem pode significar a eterna lembrança do pesadelo que viveram, mas, para outros, significa a marca do renascimento, da sobrevivência. Há, inclusive, relatos de filhos e netos de um dos sobreviventes que tatuaram em seus corpos os mesmos números, um sinal da continuidade que foi possível devido à força e superação de seu ente querido.
Foi tudo tão absurdo e surreal que quase não dá para acreditar que foi real. Mas foi. E uma visita ao campo, que é mantido sob cuidados das autoridades, não nos deixa esquecer disso. E como poderíamos?
- Como é a visita
Auschwitz, de todos os campos de concentração ainda existentes, é o maior e o mais completo. Após o fim da guerra ele teve algumas de suas instalações danificadas, mas foi reestruturado fielmente. Adicionado a isso, recebeu muitas fotos e reportagens da época, tudo bem esclarecido com placas e textos em polonês e inglês. É tudo muito bem organizado, explicativo e interessante. Dá tranquilamente para fazer um tour sem guia. Mas aí vem a parte que deixa, acima de tudo, a visita bem pesada: os vários artigos que pertenciam aos prisioneiros também estão presentes pelo campo. Foi tudo exposto em vidros, montanhas e mais montanhas de pertences que foram brutalmente arrancados de seus donos quando chegados em Auschwitz. Quando eram retirados de suas casas para serem transportados para campos de concentração, eles não sabiam ao certo para onde estavam sendo levados. Assim, dessa forma, lhes era permitido levar uma mala com pertences pessoais, que eram arrancados de suas mãos logo que alcançavam o destino final. Portanto, tudo o que se possa imaginar está naqueles prédios que antes eram dormitórios e prisões, mas que hoje guardam uma história que é difícil de engolir. A visita é feita com um silêncio ensurdecedor de tantas pessoas vindas de tantos lugares, que realmente não saberiam o que dizer e comentar diante de tantos fatos macabros. É difícil de acreditar, é como se viesse a comprovação de algo que ainda poderia, de alguma forma, ser mentira, mesmo sabendo que não é. Mas aí é aquela velha história de que aquilo que os olhos não veem, o coração não sente. E então, quando finalmente vemos, o coração dói e chora com tanta crueldade que o ser humano já foi capaz de cometer.
Auschwitz, como expus acima, foi transformado em um museu. Os vários prédios que compunham o campo ganharam, cada um, uma espécie de divisão para explicar e expor o que aconteceu ali. Há prédios cujo interior foi coberto com fotos e textos explicativos. Outros ganharam exposições com artigos que pertenciam aos prisioneiros antes de chegarem ao campo, como objetos domésticos, malas, sapatos, próteses, pentes de cabelo e até os próprios cabelos que eram raspados na chegada. Essa parte foi a mais difícil de encarar. Foi realmente duro ficar frente a toneladas de cabelos com apenas um vidro nos separando. Essa é uma parte que, inclusive, não pode ser registrada por câmeras fotográficas. Já outros prédios exibiam a forma como os dormitórios funcionavam, os espaços destinados à higiene pessoal e os escritórios dos prisioneiros responsáveis pela ordem e disciplina dos demais. Há ainda porões onde funcionavam as solitárias, que eram destinadas a prisioneiros que desobedeciam às regras do campo ou que tentavam fugir. E há também os prédios onde funcionavam os experimentos médicos com os prisioneiros. A estrutura foi toda conservada. Nos espaços ao ar livre o visitante pode ver onde funcionava a parede de fuzilamento e o local onde havia forcas. Prisioneiros desobedientes eram enforcados e deixados ali para servirem como exemplo para os demais. Tudo isso sem contar a entrada na câmara de gás e nos crematórios, talvez o ponto mais impressionante da visita, que gera mais curiosidade e comoção.
Apesar de tantos fatos e de tantos artigos expostos de forma tão clara e translúcida, trago a minha experiência: achei as visitas à Dachau e Sachsenhausen mais pesadas que a visita à Auschwitz. E tenho uma explicação: Auschwitz, por toda a sua história, seus números e seu tamanho, foi cuidadosamente transformado em um museu. Um museu dos horrores, claro, bastante difícil de encarar, mas um museu. O mesmo não aconteceu com os outros dois que visitei, Dachau e Sachsenhausen. Estes, apesar de também serem mantidos pelas autoridades, e apesar de também terem cumprido os mesmos papéis de Auschwitz, não foram transformados em museus nas mesmas proporções de Auschwitz. Há, sim, placas explicativas e informações espalhadas por esses campos, mas muito diferente do que se tornou Auschwitz. Portanto, entrar neles é como se, olhando com mais calma, pudéssemos, a qualquer momento, ainda ver vagando por ali prisioneiros com seus uniformes listrados. Quase podemos conseguir imaginar bem remotamente o que eles sentiram, a linha do tempo praticamente some e é como se quase pudéssemos tocar no passado. Os dormitórios parecem estar como foram deixados, assim como os sanitários, os refeitórios e a câmara de gás (no caso de Sachsenhausen, a câmara de gás foi implodida por civis revoltados com tudo o que aconteceu, após o fim da guerra, e não foi reconstruída). Ainda há marcas de unhas nos armários, ainda há arranhados no chão de tábuas. Sendo mais clara, em Dachau e Sachsenhausen é como se entrássemos ali pouco depois de tudo ter acontecido, pouco depois de os prisioneiros terem sido resgatados e retirados dali. É como se o tempo não tivesse passado desde o fim da Segunda Guerra, em 1945. E isso acaba mexendo demais com nossos sentimentos. Por mais que não tivessem um museu tão completo e real como o de Auschwitz, eu senti a realidade mais impactante nesses dois campos de concentração. Terminei a visita muito mais pesarosa e com um cansaço mental mais intenso neles do que em Auschwitz. Essa foi a minha impressão, isso foi o que eu senti nessas três visitas e achei que seria interessante compartilhar isso aqui.
Todos os fatos acima relatados podem ser vistos em Auschwitz, tudo isso é altamente explicado e contado nas várias placas estrategicamente posicionadas pelo campo. Várias delas possuem fotos reais para que o visitante possa comparar com o que está vendo pessoalmente. É realmente uma visita muito completa e impressionante, além de necessária, na minha opinião.
- Dicas para a visita a Auschwitz
- Sugiro chegar cedo para a visita à Auschwitz. Fomos em Abril, portanto o horário de visita era das 7:30h às 17h (confira aqui o horário de visita de acordo com a época do ano). Chegamos perto das 8h e o movimento ainda estava bem tranquilo. Já havia alguns ônibus de turismo de excursões parados na região mas ainda com poucas pessoas por perto. Optamos por chegar cedo por dois motivos: além de preferirmos menos pessoas para conseguirmos uma visita menos tumultuada, tínhamos que conseguir os ingressos para entrada. Fomos saber disso às vésperas da viagem, mas é possível reservar a visita, com guia (pago) ou sem guia (gratuito). Mas atenção: TEM QUE RESERVAR COM UM BOM TEMPO DE ANTECEDÊNCIA. As vagas são limitadas para ambos os modos, com ou sem guia. Resolvemos viajar mesmo sem reservas, com a condição de chegarmos bem cedo em busca de possíveis ingressos ainda disponíveis. Já na bilheteria, tivemos que apresentar nossos passaportes e, assim, conseguimos os ingressos. Acredito que por serem passaportes brasileiros, ou seja, de turistas vindos de longe, eles concederam os ingressos, foi o que me pareceu. Portanto, caso você tenha dupla cidadania, sugiro que apresente o passaporte brasileiro. Mas é claro que, o ideal mesmo, é já ir para Auschwitz com os ingressos reservados. Segue o link para reserva: https://visit.auschwitz.org/?lang=en
- Logo na entrada tem detectores de metal por onde todos os visitantes devem passar. Sugiro levar o mínimo de coisas possível para a visita. Quando fomos as bolsas deveriam ter o tamanho máximo de uma folha A4. Caso excedessem, deveriam ser colocadas em escaninhos pagos que ficam logo ali na entrada. Sugiro dar uma olhada nas regras de visitação, pois estas podem ser alteradas. Veja aqui.
- Sugiro levar lanche para o passeio, já que não vimos lanchonete nem nada que vendesse algo para comer. O campo é muito grande, a visita demora horas, portanto é essencial ter algo para comer e beber. Sugiro, ainda, sapatos confortáveis e roupas adequadas de acordo com a época do ano. Caso sua visita aconteça no inverno, vá bem agasalhado. O frio é intenso, o campo é aberto e venta bastante.
- Vá com calma e com tempo para ler as placas, entrar nos prédios e realmente absorver todo o conteúdo disponível. É uma verdadeira aula de história, tudo o que sempre foi ouvido em salas de aula, em livros e filmes, mas dessa vez com muito mais fotos e explicações presente no próprio “palco” de todos os fatos. É uma oportunidade única estar ali.
- Auschwitz e Birkenau são dois campos diferentes, em locais diferentes. Para ir de um para o outro há um ônibus bem em frente a esses dois campos que levam os visitantes gratuitamente. O tempo de deslocamento entre esses dois é em torno de 5 minutos.
- Para quem gosta de souvenirs, há uma lojinha bem ao lado da entrada com livros em vários idiomas, cartões postais e outros artigos.
- Como chegar a Auschwitz
Há duas cidades na Polônia de onde é possível fazer um bate-volta até Auschwitz: Cracóvia e Katowice. Em ambas há trens que levam até a estação de Oświęcim, cidade onde fica o campo. De Katowice, a passagem de trem custa 12 Zloty (moeda polonesa) por pessoa, ida e volta. Esse valor dá em torno de 2,80 euros na cotação atual.
É perfeitamente plausível ir a pé da estação até o campo e foi o que fizemos, deu cerca de 20 minutos de caminhada. Segue abaixo o mapa com o caminho que percorremos:
Espero ter esclarecido como é uma visita a Auschwitz. Sei que não é um turismo agradável, mas é realmente necessário. Além de ser uma aula de história, é bom para que todos vejam e reconheçam as atrocidades cometidas há tão pouco tempo, debaixo dos olhos do resto do mundo. Esse horror não pode ser ignorado sob o risco de acontecer novamente, o que seria perfeitamente possível visto às intolerâncias e discursos de ódio presentes na sociedade. Fica, então, o aprendizado de não repetirmos o que está marcado como pior episódio contra a sociedade.
Fotos: Tiago Morais
Vídeo da Viagem
Fernanda disse:
Impressionante esse marco negro na história da Alemanha e da humanidade. Obrigada pelos relatos e fotos, muito elucidativos! Que essas exposições sirvam mesmo pra coibir qualquer ato de intolerância que ainda possa surgir. 🙏🏻
Roberta von Zastrow disse:
Fico feliz com seu retorno e feliz também por ter gostado. Realmente foi um capítulo negro na história da humanidade. Que não se repita!
Alexander Lobo disse:
Olá Roberta. Adorei as informações contidas no seu blog. Gostaria de saber a melhor época para visitação. Sou de Blumenau, Santa Catarina. Onde se hospedar e quanto tempo ficar para conhecer o campo em detalhes. Um forte abraço e fique com Deus.
Roberta von Zastrow disse:
Oi, Alexander, tudo bem? Obrigada pela visita aqui no blog e peço desculpas pela demora da resposta. Então, eu sugiro visitar o campo na primavera ou outono europeus, ou seja, nos meses de abril, maio, setembro e outubro. As temperaturas são mais amenas nesses meses. No inverno o frio é extremo e, no verão, o calor pode castigar. E como é uma visita também a céu aberto, você pode imaginar, né? Com um dia você consegue visitar Auschwitz e Birkenau (são próximos um do outro). Então você pode se hospedar na cidade de Cracóvia, por exemplo, e de lá fazer um bate-volta ao campo. Eu tinha só o sábado para viajar e conhecer o campo, não teria tempo para conhecer Cracóvia. Então optei por me hospedar em Katowice, outra cidade próxima ao campo. Preferi ir a Cracóvia em outra ocasião, com mais tempo. Espero ter te ajudado, qualquer coisa estou às ordens! Obs: Blumenau é linda! Abraços!
Daisy Moura disse:
Apesar de triste, foi um terrível acontecimento que não deve ser esquecido. Esse texto ficou bem explicativo e ilustrado mostrando em detalhes essa parte horrível da história. Como é difícil pra maioria das pessoas conhecerem os Campos de Concentração de perto, o texto, com suas ilustrações e a filmagem, mostraram com muita clareza.
Roberto disse:
O texto retrata bem a situação dos campos de concentração e nos faz imaginar como foi grande o sofrimento dos judeus. As ilustrações nos mostraram os horrores de tamanha atrocidade.
Justin disse:
Great post.
mp3 juice disse:
I need to to thank you for this excellent read!! I absolutely loved every little bit of it. I've got you book-marked to check out new stuff you post…
Roberta von Zastrow disse:
Thank you very much! Welcome hier 🙂