E então, não mais que de repente, me vi como em uma espécie de déjà vu. Só que o personagem não era eu mesma. Não era eu quem havia saído daquele castelo há mais de 100 anos rumo ao desconhecido, deixando tudo para trás, inclusive uma boa parte do meu coração. Não fui eu, mas eu entendo, eu imaginei como teria sido, porque passei por algo semelhante há poucos meses. A rota foi oposta ao que ele fez, mas, da mesma forma, teve despedida, teve um último olhar, mesmo que temporariamente, para tantos rostos amados, teve um frio na barriga ao tentar imaginar, sem sucesso, o que me esperaria do outro lado do oceano. Teve recomeço, teve aprendizado, teve um novo idioma, um novo clima, uma nova imposição da vida para crescer e aprender a fazer parte daquilo que nunca havia sido parte da minha vida antes. Teve tudo isso.

Mas, ainda assim, foi diferente. Isso porque ele, jovem, saiu dali, daquele castelo, ainda mais no escuro do que eu saí do Brasil. Sem internet, sem aplicativos de bate-papo, sem câmera, sem celular, sem Google. Restava a ele olhar para trás, uma última vez, tentando gravar na mente o que, a partir dali, faria parte apenas do coração. E ele se foi. Virou-se uma última vez somente para olhar para o lugar onde cresceu. Talvez sua mãe estivesse ali da porta acenando, talvez não. Talvez ele estivesse levando todas as suas coisas, ou talvez estivesse levando somente sua coragem e sua melhor expressão facial de “vai ficar tudo bem”. E ficou. Não sei como foram seus próximos passos depois daquela última olhada para trás. Provavelmente foram mais doloridos do que todos os outros que deu na vida, isso pela dor do corte do cordão umbilical. Não sei como foi a viagem, não sei como foram todos os seus passos pelo Brasil. Não faço ideia se ele gostou do que viu, se teve vontade de voltar, se houve arrependimento ou se houve uma adaptação suave como se ele já estivesse estado ali antes. Não sei, mas queria saber. E o que eu sei é que deu certo. Pelo menos penso que dá certo quando uma nova vida é feita, quando há família, quando há trabalho, quando há a continuação de uma história. E teve. Sei que teve porque sou eu uma parte da continuação dessa história. A parte que voltou para onde ela começou, a parte que olhou para trás assim como ele fez. Olhou para trás antes de cruzar o oceano, que também sentiu a dor do corte do cordão umbilical, da saída do ninho, do bater das asas. A parte que sempre quis saber como é falar alemão, a parte que sempre foi chamada para voltar, desde que era pequena. E eu voltei. Não sei por quanto tempo, não sei se para sempre. É muita coisa que ainda não sei, mas pelo menos agora já sei como é olhar para trás antes de sair. Pelos meus olhos, na saída do Brasil, e pelos olhos dele, na saída da Alemanha. Acho que isso sim é o que chamam de “e a história se repete”.

 

Um comentário em “Crônica sobre Meissen

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